sábado, 18 de dezembro de 2010

Babilônias

Caminhar por uma praia cinza, não ter sequer vestígio de que essa terra um dia já viu sol.
Está tão frio, me encolho cada vez mais no intuito de estar mais e mais perto da essência de ser.
O vento beija os meus cabelos e eu mando beijos de volta. Eles se transformam em borboletas que saem a voar em torno de mim. São babilônias e colorem toda aquela tela em tons diferentes de cinza com um azul vivído e único.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Inquietude

Alma de guri com misto de homem onipotente.
Ótimo acordista, faz qualquer um desistir e aceitar tuas condições nada lúcidas, com toque de infantilidade, imposição de quem nunca pôde falar.
Com quem aprendeste a comandar tão friamente?
Não pedes licença, não respeitas quem, certamente, sabe mais do que você.
Rende e surpreende. Não fala, afirma. Não pede, exige. E consegue.
Triste fim. Era ela tudo o que querias e nem ao menos imaginara.
Diz-te não, vendo-te enlouquecer, enfraquecer.
Você renegocia. Quem diria?
E astuto, com faro de medroso, foge.
Os surtos de verdade dela são raros. Mas ótimos seletores. Distinguem homens de meninos.
Ainda que meninos pareçam homens e homens, meninos. Ainda que ela veja dentro dos olhos a verdade que teus conhecimentos teimam em tentar esconder.
Para de olhar pro teu celular, então. Quando ela decide que o martelo bate, não há brecha alguma que a faça voltar atrás.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Caixinha de papel

Depois dos abraços e beijos, embora fosse noite, era iminente que o calor me levasse pra longe.
Puxei a mesa velha de bar até mim, ainda sentada na cama. Nela, inúmeros flyers roubados com desculpas bobas
em estabelecimentos estranhos, uma capa velha de livro da Wizard e recortes, dobraduras, papel. Minha paixão.
Voltei a dobrar, marcar, montar, formar. Estranho ver uma folha qualquer se transformando numa caixinha de perfeito
encaixe com padronagens engraçadas como estampa. Ora e outra encontrava alguma parte que se distoava da psicodelia
e a vontade de uniformidade me fazia desmontar tudo simplesmente para dobrar uma folha do lado ao contrário.
Falamos de comparações ainda deitado. E num ímpeto de imaturidade me criticou friamente por compará-lo com outro.
Ainda que fosse um detalhe bobo, ainda que o enaltecesse. Me senti estranhamente culpada. Imendou algumas justificações
para defender o sujeito em questão: "Se ele foi bom o suficiente para ter ficado contigo o tempo que ficou, de modo a te encantar e te engrandecer, não é certo que o desfavoreça desta forma. Ele deve ser uma pessoa maravilhosa. Quem dera eu
ser como ele". Pronto, segundos e a culpa foi embora. Não quis relatar a contraditoriedade de imediato. Me contive.
Pra ser sincera, por ainda estar me culpando um pouco. Mas vieram as explicações e tudo se acertou.
Pulamos num buraco fundo, caímos não durante horas horas, como nos filmes, simplesmente nos esborrachamos no chão e
engolimos um pouco de dúvidas. Tossimos: tempo!
Soltei, conscientemente o jargão: "Tempo é relativo."
"Não pra mim", retrucou ele, justificando com vírgulas, acentos e exclamações que agora me fogem.
"Prova disso é a nossa discordância sobre."
Sussurrei pra dentro de mim: nem tudo tem de ser dito, mas sim entendido, silenciosamente, cada um por si.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Na agenda:

"Te amo, morena
Pela sacada adentro teu quarto
Às 02:11 da matina
Acordar-te para que talvez sonhe comigo

Teu Bam"

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Coala com Panqueca

Pra clarear minha cabeça
Afinar minha voz
Esticar as pernas após
Desmestificar tudo que pareça
Mas não concretize o âmago de se sentir presa
Envolta em liberdade incondicional de ir e vir

Cinco minutos até chegarmos ao lugar neutro
Nosso lugar, nossa origem
Tanta informação causando até vertigem
Eu te olho, mas não te reconheço
Finjo que esqueço
Do que quer que ameace a minha razão em estar ali

Eu não te prometo nada
Nunca prometi a ninguém
Eu não preciso sentir-me amada
Eu preciso saber-me amada
Durante o almoço ou a madrugada
Do último ano, fuga simples, imaturidade
Faltou vaidade, sobrou ingenuidade

domingo, 26 de setembro de 2010

De domingo

"Querer não é poder"
Existe lá frase mais ingrata? Se eu quero, eu posso, ora pois!
Crescer ouvindo isso é mesmo uma canção pré-fabricada para acalmar os ouvidos daqueles que tanto teimam para que os mesmos fiquem sempre em pé, dormindo, sonhando, falando.
É doutrina falsa de político corrupto, é professor com preguiça de ensinar, mãe que não quer educar, médico que não quer curar.
Bato o pé e faço manha! Se pra mim tá tudo errado, tudo de ponta cabeça...
Cadê as flores, as cores e os amores do meu caminho? Cadê o banho de chuva contente, o mergulho que lava a alma, afinal, cadê a alma das coisas?
Há muito me falta sinceridade, me falta amor do tipo mais simples, que não se explica, não se recupera: mantém.
Com um "bom dia", um sorriso, uma canção, um abraço irmão.
Um baião bem arretado pra sacudir a saia e tirar meus pés do chão. E que as dores venham no dia seguinte. A dor na coluna de tanto fazer estripolias, a dor do menino que se foi sem um beijo se quer. Não essa dor de escoliose malograda de bailarina que nunca foi num domingo nublado.

sábado, 14 de agosto de 2010

O coelho resmungou.

Trilha teus passos, faz teu caminho, corre de mim, maldita, segue.
E me foge, e me zomba.
O descompasso desritmado da minha dança é também do corpo e da mente.
O corpo fica, a mente vai.
E me foge, e me zomba.
Mas diga-me tu, menina faceira da saia rodada, e se lhe chamam de forrozeira em meio a rua principal da cidade como sabes que falam de ti e para ti? E como tens a coragem de cumprimentar a rapaz qualquer? Nome e face, lhe fogem. Quiçá estejam lá na frente.
E me foge, e me zomba.
"E música? Sabe o que é indiazinha?
Eu já lhe explico, deixe que o coelho passe aqui resmungando sobre seu atraso com seus botões. É que me falta tempo e só. De resto, não me carece talentos musicais ou instrumento algum desse mundo que não tenha um só seu exemplar localizado em meus aposentos. Mas já lhe explico toda a prosa."
E me foge, e me zomba e corre demais. E por isso, tantas vezes fica assim, pesada, querendo tudo e todos e noutras, sozinha.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Gosto de me ouvir a narrar, com esta voz séria, as besteiras que me ponho a escrever no canto de uma página qualquer.
Rio e imagino como se sentem todos os sonetos esquecidos, as prosas empoeiradas, as poesias para aqueles que um dia já foram pequeninos.
Reúnem-se secretamente em um clube, compartilhando suas experiências. "Os Versos Esquecidos" já não ecoam mais, mas agrupam-se, da maneira que lhes convém.



E estes acabaram por também se agrupar, despropositalmente.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A mulher que não queria ser amada

Me vem com teus papos melados, manjados, forjados.
Me vem com três chutes, um beijo, um agrado.
Eu vou observar atentamente a areia da praia.
Eu vou me lembrar disso.

Me pergunta se tenho distúrbios.
Pois tudo o que uma mulher quer é ser amada.
Mas eu fugi das tuas teorias, estatísticas e confusões nem tanto.
E fala que tem tudo anotado em caderno de pauta com letras redondas.

Está tudo estudado, friamente calculado, palavras, demoras.
Aprendeu que não sabes nada?
Pois de mim sabes tudo e mais um tanto.
Eu é que sei demais da vida.

Eu gosto do branco no preto, que você suma e só apareça de vez em quando.
Eu gosto de você irmão, camarada, astuto e malandro.
Eu gosto de você crescendo, vivendo, errando.
Pois mãe não ama para ser amada. Mãe ama para ver a cria criada.
Ou cria a cria pra poder ser amada?

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Arrepio

Quero assim com você
Dos meus vocábulos esquecer
E ir regressando pouco a pouco
Naquilo que chamam de tempo
Quando a língua que eu falava
Era o sussurro dos ventos
E pessoas ainda me rodeavam
Para paralisadas parafrasearem clichês
Eu gosto de contigo evocar o silêncio substancial
Costume esquecido - se é que um dia existiu
Ou mal utilizado, quiçá.
Fala-se em demasia, benzinho
E muito pouco ou quase nada se faz
Eu já prefiro o silêncio dos teus olhos
Os dizeres do teu corpo, tuas mãos
Acontece que a tevê não nos satisfaz
Ideias manipuladas, remanipuladas ou trimanipuladas
Não fazem nossas cabeças mais
Nos resta então a música, a dança e a escassez de versos
Do poeta e da prosadora
A vontade de transformar sentimento em palavra é grande
Mas a vontade de sentir, essa é ainda maior

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Salão de tristezas onde as outras penteiam mágoas

Eu já nem sei se é o meu lado racional falando ou se é o lado mais sentimental de ser sentimental.
Eu só sei que chegar em casa uma da madrugada após 2mg e mais alguns amigos chopps sem a alteração evidentemente desejada, querendo café amargo pra tragar e não só retocar, como refazer toda a solidão, pouco a pouco não está lá muito certo.
Em algum ponto a lua me disse um basta e meu coração, fraco depois de tantas batalhas e por fim, admitindo-se vencido quis retirar-se.
Ser flor é querer ser sua, ser companheira de aniversários de álcoolatras em plena quinta-feira de forró no armazén, ser mãe pra te cuidar, te exigir as responsabilidades que o tempo lhe entrega nas mãos e num impulso tu devolves, é acordar com tuas ligações de manhã, é aturar-te enquanto um desconhecido perante a mim, carente de escolha, de opção, carente do mundo, com tuas histórias sempre absurdas e escutá-las repetidamente. E mais: escutar peripécias com a tua tal primeira mulher aqui e acolá por pedido próprio, por ser flor amiga, não querer ser só flor.
E depois de tanto, negar pra mim mesma. "Chateada? Não, isso você não tem direito.. e pra falar a verdade, mesmo que tivesse, não estaria... Não é?"

domingo, 27 de junho de 2010

Tua flor.

Das voltas que a vida dá, o par de olhos multi-coloridos me fitam acompanhados de palavra alguma. O silêncio. Num dado instante, o ronronar do gato, que no aprochego pede carinho. Ele precisa de carinho. Eu preciso dele. Se enrosca nos meus cabelos, embola-os e faz dele teu ninho. Chega mais perto, por que eu não tenho medo de olhar nos teus olhos? Por que eu não tenho medo de que faças de mim tua boneca de pano ao me jogar contra o chão e depois para o alto no ritmo da zabumba com a saia rodada de flores na flor que roda com o vento? E mais: me penduro, me agarro, prendo seus movimentos. É pra não deixar-te ir muito mais longe do que seus pensamentos vão quando me olhas com a boca entreaberta como quem quer discursar por horas, mas nunca o faz. É sempre o silêncio. O silêncio dos teus olhos a me fitar. Eu não hesito em retribuir. Aquela pessoa que recusava contatos visuais tão próximos e intensos agora os abraça, sempre com força.
É a flor que o vento tirou pra dançar. Rodopia, conta o dia inteiro em cinco minutos corridos pra deixar o resto do tempo para as linguagens não verbais.
Embriagados de carinho, de desejo, daquilo que não tem nome por opção.

domingo, 13 de junho de 2010

"Eu vou me jogar
em um mar de você
Me atirar sem pudor
pois só quero teu calor
No dançar ao luar
quem quer que você seja
Dure o tempo que durar
eu quero é ser teu par"

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Poesia versus Prosa

- Não posso lhe pedir nada além de não contar-me teus flertes.
- Desculpa.
- Desculpas não cabem quando o erro é mútuo.
- E o seu erro foi...?
- Apenas não ter sido mais específico em outras oportunidades.
- Especificidade nunca foi lá o seu forte.
- Tenho uma queda por poesia, fazer o quê?
- E eu tenho uma queda por prosa.
- Eu bem poderia criar um verbo aqui e agora. Que só os artistas e nós dois seríamos possibilitados de usar, uma vez que a licença poética não é concedida a todos.
- Você gosta mais dos verbos?
- Eu gosto mais das possibilidades que a conjugação dos mesmos me permite.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Do telejornal habitual, fez-se programa cultural.
Do dinheiro do picolé, fez-se dinheiro da cerveja.
Da tristeza, fez-se samba.
E eu sambei.

domingo, 16 de maio de 2010

Quinze horas.

A pele alva, que esquivou-se com competência do impiedoso Senhor do Tempo escondia a verdade que ela trazia nos bolsos. Seus documentos, acusavam, cúmplices de seus olhos sábios e atentos, anos que ninguém jamais imaginara.
Tais olhos focavam atentos os ponteiros de seu relógio de pulso, antiga herança de família. O momento se aproximava conforme o tic-tac nervoso acompanhava os passos daqueles cheios de pressa em meio à uma multidão desforme de outros tantos olhos que por sua vez, traziam consigo melancolia.
Sentada em um dos bancos da Estação Central, ela ostentava a inteligência misteriosa de um lobo camuflada pelas mechas de cabelo presas de forma descuidada, formando um emaranhado que além de convidativo, beirava a perfeição.
Dez metros de distância dali ele observava apoiado a uma pilastra. Bela, íntegra. Nunca conhecera mulher de tamanha deeterminação. Buscou na bolsa a tira colo com a rapidez e agilidade de um assassino profissional a sua arma. Os olhos nem ao menos se moveram para lugar algum que não fosse a presa.
Instantaneamente, sacou sua Nikon e pôs-se a fotografar aquela que representava, completamente, seus devaneios.
Era, sem dúvidas, a exposição de sentimentos crus mais verdadeira que um ser-humano poderia assumir.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Café da manhã

Eu quis dizer tantas coisas, mas elas preferiram ficar escondidas embaixo do lençol.
Você levantou cedo, fez poucos ruídos e partiu.
Eu te prometi o café, o pão, o queijo.
Mas você levantou cedo.
Eu quis que a minha mão encontrasse a tua durante a noite.
Mas dormiste tão encolhida que mal pude chegar perto de ti.
O coração que parecia estar não mão, estava a quilômetros de distância.
Ainda assim, você levantou cedo, fez poucos ruídos e partiu.
A respiração batia quente no meu pescoço, quase doía.
Carregava consigo a dor que tens dentro dos pulmões já consumidos pelos maços de cigarro.
A tua veia pulmonar carregando essa dor até o coração, dor aguda.
Ali ela grita.
E você levantou cedo, fez poucos ruídos e partiu.
Eu tinha uma lista de ideias e promessas.
Você se adiantou e disse que coisas planejadas nunca funcionam.
Ficamos eu, o café, o pão, o queijo.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

"Toca Baião"

Dos seus passos, amores e abraços, só ela sabe.
Prezada solidão, eu não admito atrasos, tampouco explicações.
Um, dois, três. Dominós à postos, o princípio e o final, o final e o princípio.
Quem define? Senhor do Tempo, quem define?
Olha, guarda essas mágoas pra mais tarde, guarda tudo numa fina gaveta com uma chave prateada, passo aí mais tarde para apanhá-la.
Eu não queria ser rude, eu apenas não sabia fingir fidelidade.
Eu era fã da verdade e quanto mais dolorida fosse, melhor. Assim, com as palavras mais objetivas e mais maldosas, sempre achei que isso tornava a verdade ainda mais verdade.
Mas você bem sabe, a solidão sempre esteve presente.
Hoje eu já não tenho mais tanta pressa, tanta ganância e necessidade de papel sem amassados.
Agora eu me permito fingir por um instantes que eu não sou tão bruta, que eu não sou tão fria e que tenho algum sentimento.
O meu amor não existe, o meu amor está perdido por aí.
Mas, quer saber? Eu não ligo.
O labirinto, o dominó e o dragão um dia tem que vir à tona.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Com amor para uma querida amiga

"Morena flor
Tem todas as cores numa só
Tem todos os cheiros sua fragrância
E todos teus movimentos uma perfeita dança

Sorri morena flor
Deixe que outros olhos vejam sua essência
Tu és tão doce em tua cândida consciência
Tu és tão viva em tua tão pouca vida
Ser flor ao teu lado é ser segundos tantos mais feliz

Agora digas ó morena flor
Que todas as intempéries tu suportas
Que tens escondido em ti mil passos de carinho
Mil beijos queridos
Mil amores recebidos
E tantos segredos perdidos

Flor morena, morena flor, flor...
Não é justo sentir mais dor
Deixe que eu te diga com toda certeza de miúdas letras de amor
é a mais querida desse jardim que se chama vida"


Minha poetisa predileta, minha amiga mais próxima, a quem eu quero tão bem.
E se algumas vezes eu te incomodo desvendando a lógica por trás das tuas ações e emoções antes mesmo de se manifestarem, eu peço desculpas.
Porque o meu lado árvore, maternal e afetuoso não quer ver seu girassol sofrer.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Morfeu.

- Doutor Rafael?
- Pois não?
- Há uma pessoa aqui que gostaria de falar com o senhor pessoalmente.
- Mas, quem seria? Não foi marcado nada previamente, você bem sabe das minhas regras, Maria.
- Não é um cliente, doutor...
- E quem mais seria?
Três batidas firmes na porta o assustaram, ainda concentrado no telefonema. E posteriormente, ouviu-se o ranger da maçaneta.
Cinco segundos. O bastante para revirar suas últimas negociações, alguma dívida pendente ou algo do passado que viesse a lhe atormentar.
No sexto, a figura apresentou-se.
- Bom dia, doutor. Desculpe-me a audácia, trata-se de algo urgente.
- E poderia ao menos apresentar-se?
- Morfeu.
O médico duvidou da sanidade daquele ser vestido em terno marrom desbotado, com a gola da blusa levemente levantada. A pasta de couro que carregava
apresentada sinais de que fora castigada pelo tempo - tempo demais.
- Meu senhor, eu terei de chamar os seguranças. Se isso é algum tipo de pegadinha ou quem sabe um...
Vendas prestas sobre seus olhos, escuridão. Sempre fora fã da mesma, nunca deixava uma fresta se quer de claridade pronunciar-se na solidão e no
silêncio de seu quarto escuro. Isso seria inadmissível.
Mas aquele escuro era perturbador, tateava o ar, a procura de algo. Parecia uma criança ávida por capturar uma borboleta, que por sua vez, almejava mais do que o moleque, a sua própria liberdade.
Estava tonto, confuso e sentia cheiro de mofo e urina misturados. O estômago vazio reclamou dessa combinação aromática. Tateou com desespero seus olhos, a procura da tal venda, como desatá-la. Mas, para sua surpresa, nada havia.
Levantou-se, a cabeça parecia pesar mais do que poderia suportar em condições normais, quanto mais nas condições em que se encontrava.
Sentou-se sobre a cama e estabilizou-se. Arrastou-se até o meio do quarto, o piso de tábua corrida rangia a medida que seus pés se movimentavam,
quase que involuntáriamente. Tateou tudo quanto lhe havia pela frente: o nada. Desesperado, passou a ouvir passos ao longe, com a aproximação,
percebeu que se enganara. Não eram passos, era um trote. Cada vez mais próximo ao local - seja qual for - no qual estava.
Sentiu uma brisa quente passar por sua nuca e depois, uma mão em seu ombro. Mas nada havia, nada havia.
Bufadas vindas de longe, de não tão longe, de próximo, de perto, ao lado. Caiu, repentinamente, de costas.
Abriu os olhos e na cabeceira uma esfera, com barbantes embaralhados simétricamente, sementes e penas nas laterais e na base da circunferência.
Um pegador de sonhos.

domingo, 25 de abril de 2010

Algo-feira.

Você acordou de mau-humor, sabia desde o instante em que colocou os pés pra fora do colchão que havia algo errado.
- Olha, eu não posso interromper a aula para esse tipo de coisa não. Hoje é uma exceção, telefonema pra você na secretaria.
Pensou consigo: Minha mãe é abusada, ligaria pro celular e pela lei gênica, eu atenderia em meio à aula. Quem poderia ser?
Ouviu soluços, voz baixa, escondendo o choro. Explicou-se e mais: pediu desculpas.
- Não fica assim...
- Não, eu tô bem.. eu só tenho que ir pra lá agora.
Abaixou ainda mais o tom de voz, os soluços aumentaram.
- Vai em paz, não se preocupa comigo, força. Te ligo pra saber como está.
Se puniu pelo "Não fica assim..." Aliás, como não ficar assim?
O telefone bateu no gancho, a dor no coração.
As lágrimas desceram durante a aula de História. Sorte a dela, Bartolomeu estendeu-lhe a mão e a conduziu até a porta com as seguintes palavras:
"Vá até ao banheiro e limpe essas lágrimas, pode ficar por quanto tempo quiser, eu me responsabilizo. Volte quando estiver bem."
Ela vai sentir falta daquele que viu nela a Flor. Lista de chamada:
- Helen Neumaister
- Presente
- Florzinha
- Aqui (com sorriso nos lábios)
- Ieda Soares...
Vazio, solidão, eu sei que você só queria sentar ao sol e aproveitar os vinte minutos chorando sozinha a sua dor pela dor alheia ouvindo Kings of Convenience.
A dor de uma terceira chamou-te, guarda tua tristeza pra mais tarde. Agora é ela quem precisa de ti.
Você guardou, tão bem escondido que encontrou dificuldade em reencontrar.
Recreio da parte da manhã, horário de almoço, recreio da parte da tarde, pós-aula: tudo dedicado a secar as lágrimas dela e analisar os fatos e tentar organizá-los pra quem se encontrava tão perdida.
Isso te conseme. Você cuida de todo mundo, mesmo quando não pedem. Quem cuida de você?
Deitou-se sozinha. Almejava companhia. Almejava abraço, abraço na horizontal.

sábado, 17 de abril de 2010

Relógio da vida

Então ela entrou pela porta bruscamente, como quem carrega o peso do mundo em suas costas e deseja aliviá-lo.
E de fato, carregava. Só não sabia como descarregá-lo. É como segurar uma granada e o simples fato de tê-la em suas mãos lhe corrói a alma, dói viver. Mas, por outro lado, ao fazer com que ela vá pra longe de ti, a certeza de que afetaria muitos outros - e, com intensidade maior.
Uma tremedeira lhe percorria o corpo, desde os pés, desorientados até às mãos, descoordenadas, incapazes. Sua cabeça sofria os efeitos da passagem de um tornado em sua vida: Ela sabia, passasse o tempo que fosse, nunca mais seria a mesma.
Ainda com os movimentos impossibilitados, dirigiu-se ao banheiro. A bolsa tira-colo foi para um lado, o vestido longo bordado para o outro. Sentou-se num canto e abraçou suas pernas. Movimentava-se num ritmo constante, para frente e para trás. O queixo apoiado nos joelhos, joelhos marcados por cicatrizes que ele mesmo ajudara a fazer.
Entretanto, nenhuma lágrima se quer descia pelo rosto pálido da menina. A situação, a emoção, a alma, pedia urgentemente por aquelas águas que banham a face e levam consigo um pouquinho da dor, elas, porém, se negavam a presenciar o tal momento.
Decidiu-se então que outras águas levariam embora aquele sentimento, abriu o chuveiro, água quente descia pelo ralo. Entrou naquela cascata sem pestanejar. A calcinha ficou, mas era tão pequena que se tornava quase imperceptível. Achou o chão quando esse "quase" se intensificou.
O relógio corria numa velocidade implacável e o tempo passava, impiedoso por ela.
- Tic-tac, tic-tac, lhe dizia o relógio.
E o coração respondia: "tum-tum, tum-tum."
Tic-tac, tic-tac- tic-tac, tum-tum, tum-tum, tic-tac, tic-tac, tic-tac, tum-tum, tic-tac, tic-tac....

terça-feira, 13 de abril de 2010

Girassol

Aula de química, ligação isso, ligação aquilo, íons, "formoso piriquito do bico de pato com ácido ídrico não me meto" e minha mente teimando em fugir,as palavras íam se aglomerando, se organizando naturalmente na minha frente, pintando a figura engraçada do meu professor de letras, minha caligrafia, linhas de um caderno imaginário. E quando estava quase tudo organizado, eu puxava o pé dessa Flor que teimava em sair da aula de química e além de tentar constituir seu texto ali mesmo, queria que os minutos voassem. Estava completamente fissurada com a ideia de chegar em casa e pousar a caneta na última página do caderno de hipopótamo. Tornar tudo aquilo mais real, concreto e com sentido.
Era algo relacionado a um coração que se partiu em cacos de vidro, mas cacos com as mais diversas cores, como se um vitral fosse quebrado por algum moleque travesso que possuísse uma das mais poderosas armas quando falamos em vitrais: uma espécie de brinquedo, em forma de esfera, símbolo do gen a mais que nós brasileiros portamos, o amor ou habilidade no futebol. O que na minha opinião, passa a ser muito clichê e o clichê pouco me interessa.
Eu queria as cores do vitral de um casarão antigo que eu sempre sonhei morar. Aquelas escadarias, as florezinhas tímidas que crescem ao lado, um ar de melancolia que chega a puxar a poltrona para que você se acomode: confortável.
Mas a pressa para chegar em casa e escrever foi interrompida. Convite irrecusável do meu girassol com aquela voz doce que eu teimo em imitar com um pouco de ironia, só pra irritá-la. Sentar na praça para conversar. Sentar não, que muitas coisas são melhores na horizontal. Coisas como observar o início tímido a noite, com as poucas estrelas a brilhar no céu, rodeadas por aquele verde, aquelas mangueiras.
Veja bem, é um carinho imensurável que eu tenho por essa menina com seus cachinhos louros, com corte ousado e atitude tal qual, lembrando Marilyn Monroe. Razão e sentimento em medida exata, para que uma equilibre a outra. E sintonia completa. Ainda me surpreendo com o quanto ela me conhece e vice-versa. Eu quase me esqueço de que a Marilyn Monroe de hoje, que é difícil que eu consiga passar um dia longe, foi, há dois anos, a menina anti-social que não conversava com ninguém e se escondia atrás dos livros.

Helen implorou pra eu postar esse texto porque se trata dela, alegando que o Natal já passou há muito. Ela diz que sou muito convicta no que quero, mas tenho duvidado disso. Principalmente nos últimos dias, pelo seu poder de não me deixar estudar, me levar para a pracinha após nove horas de aula e me fazer postar o que ela queria :)

Eu odeio Natal.

Saiu de casa a contra gosto, porque tem gente que acha que o seu avô estará mais seguro com ela quando voltar da sua boa ação que nos últimos anos se tornou rotina, levar a família de seu filho para casa.
Ela nem presta atenção nos carros, nem sabe o quê estão fazendo ali. Afinal, é Natal. Seu olhar distraído foi imediatamente atraído para outra coisa: as pessoas na rua.
Começou por reparar nos jovens que deixavam suas casas animados e começavam o "esquenta" no portão do outro amigo mesmo pra Festa de Natal na boate nova que abriu em Três Rios. Como estão felizes, sorriso na mão, copo na boca.
Depois notou um casal já de idade se escondendo na escuridão que envolve as lojas, que cansadas pelo dia agitado, provocado pelo bom brasileiro - aquele que deixa tudo pra em cima da hora - adormecem tranquilas a não ser pelo estalo dos beijos apaixonados. Intrigante. Ao despachar as malas, pensou: "metade do dever cumprido. Mal sabem eles que nem presto atenção no que deveria". Melhor assim, só ela e ele, alguns Moreiras se entendem, mesmo no silêncio.
Ao manobrar, uma senhora e seu filho lavando e varrendo sua calçada. E mais adiante, no Cemitério, uma família pousa seus olhos tristes nos dela, curiosos. Como seria passar o Natal no velório de um amigo querido, um irmão ou pai? Ela viu o caixão, as velas ao lado queimavam, serenas. Sem pressa de ver a manhã chegar.
Voltando, duas meninas arrumadas. Uma para e pede que a outra a espere. Está passando gloss labial no trilho do trem. Ela nunca passou gloss labial no trilho do trem na noite de Natal.
Olhou pro guarda sentado numa cadeira de plástico no portão da casa que serve pra alguma coisa que o prefeito alega ser "investimento na área de saúde". Tentou se infiltrar no pensamento dele, saber se estava zangado por estar ali. Ele a impediu quando de imediato, levantou-se da cadeira e virou-se de costas para eles.
Uma menina sentada na varanda falando baixinho ao celular. Do carro, ela disse: saudade de quem, flor? saudade de quem? O coração grita, a voz cala.
- Pronto, chegamos.
- Guarda o carro que deixo o portão aberto pra ti.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A gaveta

As cartas de amor, os poemas e as músicas que se destinam a mulheres, ou ao menos a descrevê-las, são tão lineares e clichês.
E eu, que não sou nem um nem outro fico me questionando com a cabeça cuidadosamente encaixada entre as almofadas e debaixo de um obstáculo que faz sombra em mim quantas pessoas já olharam de baixo de uma gaveta.
Eu estou apenas a espera, daquele que vai me perguntar se eu já tomei banho deitada, se já bebi algo de cabeça pra baixo ou o que é o medo, que todos dizem sentir, mas que não o afeta. Aquele da oitava série, que eu usava num discurso decorado.
Esse mesmo, com os dreads, sem um puto no bolso, me levando pra Bahia e me chamando de "pretinha".
Eu não sei se eu quero me sentir segura agora. Ou mais perdida do que nunca. Talvez a segunda opção. Queria cabeça nas nuvens, calcanhares nos lençóis freáticos e cosquinha...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Te amo, te amo, te amo e te amo. Sem porque nem pra quê. Aliás, quem eu tento enganar? Sejamos siceros, te amo porque me escapas logo após uma louca declaração de amor que mais parece uma intimação: diga que me amas. E logo me estremeço toda feito criança, achando que se eu admitir, você vai rir de mim, sair correndo pelo pátio e contar pra todo mundo da classe que eu era apaixonada por você. Indecifrável, completamente.
E te amo pra poder dizer que é esse o motivo da minha insônia, é esse o motivo de eu não seguir em frente e parar de responder alguns e-mails e até as adoráveis mensagens no celular que antes de você aparecer, eram prontamente respondidas.
E às vezes amo tanto que chego a odiar. Odeio o fato de você estar certo quando diz (ou melhor, digita) com a cara de maior cafajeste do mundo: admite logo que tá morrendo de saudade de mim, que não vê a hora de me encontrar e dar continuidade ao que começamos. Admite que me ama, que não vive sem mim.
E eu vivo, todo mês depois de resolver te excluir completamente da minha vida e te fazer sumir, eu consigo passar bem. Mas você sempre volta, pra depois me escapar pelas mãos feito areia. Volta a princípio inofensivo e meu coração teima em dizer: calma, você já superou. Mas basta reaparecer pra virar essa coisa desenfreável que me tira as noites sono que já não existiam.

domingo, 7 de março de 2010

Eu não gosto de tulipa.

Se um dia eu for escrota com você, principalmente na frente de todos os seus amigos, porque isso sim é ser escrota de verdade, faça-me o favor de ser o dobro. Me deixe sem graça, com vontade de ir embora e me questionando o quê eu estava pensando quando peguei aquele ônibus pra te encontrar.
Mas depois de horas emburrada, sem nada comentar e me fazendo de vítima - até pra mim mesma - chega de mansinho, sem muito alarde. Não deixa nenhum dos seus amigos perceber que você deu o braço a torcer, faz uma piada intelingente pra descontrair e quando perceber que minha face não esboça nenhuma intenção de rir dela, me abraça e me dá um beijo no pescoço, respirando bem fundo e dizendo que me quer ali. Depois me faz voltar pra perto daquela multidão, só tendo olhos pra mim, palavras pra mim e como num efeito dominó, todos os outros fariam o mesmo.
Me serve uma cerveja bem gelada, daí vamos discutir um assunto bem chato. Daqueles que ninguém gosta de falar. De preferência, tenha a opinião completamente contrária a minha. Discorde e apresente diversos motivos plausíveis para que eu esteja completamente errada. Permaneça com eles até que eu desista dos meus. Não veja verdade em mim - pois não há.
Seja tão inconstante quanto eu, tão escroto quanto eu, tão irônico quanto eu. Seja assim, a minha cópia, alternando os momentos com os meus, fazendo com que haja uma divergência completa em todos eles.
Depois me beija o pescoço de novo, fala alguma coisa nada clichê no meu ouvido, tão romântica quanto cafajeste, que me deixe tão confusa a ponto de aceitar uns beijos a mais, umas cervejas a mais.

Sem Título

E os olhos perderam seu brilho.
Aceitando o seu legado, o seu dever.
Era a dor quem batera a sua porta,
Certamente não iria embora sem mais delongas.
Dissera ficar para um cafézinho.
E tardara enfim, para o jantar.

Acolheu então aquele sentimento, como
crianças acolhem fantasmas, temerosas
às suas reações perante algum sinal de medo ou recusa.
Deixou assim estar, largada num canto da sala, escondida
demais para se fazer presente a cada segundo, a mostra
demais para ser esquecida.

Carregou-a, modelou-a a seu gosto.
Não é, pois, o que todos deveriam aprender?
Flexionar, reflexionar, duplicar e juntar.
Ao seu modo, ao seu dispor.
A dor é de sua posse.
Porque não fazer dela o que quiser?

Alguns chamam de teimosia, outros de força.
Qualquer que seja o nome, era isso que a acompanhava.
E era definitivamente por tal fato que não era permitido total controle
sobre a dor.
Restaram um tanto de orgulho, meia xícara talvez e mais outro
tanto de rispidez.
Era como um doente carrancudo, machucado não pela enfermidade,
mas sim pelo tempo.

E com ele, transformara-se exatamente nessa pesonagem caótica.
Estava então, impedida de clamar, pois a velhice chega, até para os sentimentos.
Mas hábil a reclamar, fato automáticamente incluído à aqueles que já viveram por certo tempo.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Essência de Hortênsia.

Hoje meu pai me entregou uma caneta, tenho quase certeza de ter ouvido um sussurro que se assemelha a uma súplica para que eu escrevesse, mas ao invés disso, os lábios ditaram uma frase sem qualquer valor. Algo como: "é de ponta fina, fica pra você". Mas o caderno pulou da bolsa e quando vi, a caneta já pousava sobre o mesmo.

"Escrever sobre o quê?" Questionou-se antes de um devaneio que por extrema insistência ou extrema mania, a levou pra perto do céu, mesclou imagens, transformando-as em nuvens, que rapidamente deslizaram por algo como um arco-íris. Mais um personagem, mais um enredo. Não seria algo romântico. Não, isso com certeza não seria. Eu apostaria em uma reinterpretação psicodélica nada original destes símbolos.
A verdade é que ela gostaria de dizer que lhe falta algo ou alguém. Mas isso seria simples demais, dada a pessoa determinada e decidida que eu sempre vi quando a olhava através daquele pátio frio. Bastaria a consciência de que era essa a situação para que imediatamente se levantasse e se prontificasse a resolver tal ausência. De fato, não falta. O que se perdeu ou talvez nunca existira era ela mesma.
Explica então pra onde se dirige alguém que não pertence a si próprio? Alguém cujo paradeiro é um mistério sem precedentes? Existia, ao acaso, uma sessão de achados e (mais) perdidos eus? Pois todas as facetas que ela apresentava - veja bem, não falo de poucas - não convencem apenas um ser neste planeta: ela mesma. Por mais diversas que sejam, nenhuma delas contém essência alguma de Hortênsia. Aliás, já ouviste falar de tal fragrância?

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Respiração

Os pensamentos não se contentam em vir aos poucos, são planos, cálculos do que pode dar errado, análises de tudo que você já vivenciou para então saber exatamente os movimentos certos, nas horas perfeitas. É, acima de tudo, uma tentativa de ler mentes. De adivinhar o que se passa na cabeça ao lado. Quais as interrogações que ela, por sua vez, abriga.
Assim que entramos naquele cômodo, já estava tudo combinado com ele, o terceiro. Sabia eu que mais hora menos hora ele estaria ali. Enquanto isso eu interpreto com a facilidade de quem fez anos de teatro. Essa é a minha interpretação de aproximadamente dois anos de teatro na escola. Que fique claro: na escola.
Eu não diria intuição feminina, eu sei bem da onde vem essa minha capacidade. Um misto de pura racionalidade com o que muitos considerariam uma falta dela. Que seja, a capacidade continua sendo minha.
Ali estava, parado diante de nós, o Silêncio. Chegou sorrateiramente, fruto de um grande esforço para que se apresentasse com outro nome. "Prazer, sou Espontâneo."
Ela sabe exatamente o que fazer, como fazer, quando fazer. Aproxima-se. Tá aí um dos momentos nos quais palavras, sejam elas de flor ou café, de nada valem. Respiração. Ela sim, diz muito.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

4mg

Um, dois, três (talvez mais): eram, de fato, disparos. Tão certeiros como os de Gravilo Princip, conhecido como o dono de uma indiscutível pontaria, conhecimentos adquiridos na Skola Atentadora, posteriormente trocada pela Mlada Bósnia, num ato de traição.
As palavras fluíam, como as balas de nove milímetros primeiramente utilizadas pela semi-automática alemã Bergmann-Bayard, conhecida militarmente por Mars.
Grande poder de penetração, grande pontaria, alvo: coração.
Desnecessário, descabido. Ainda assim, não tão surpreendente. Desde os meus sete anos você não é meu pai, você é o homem que vive na minha casa e paga as contas.
Mas acabo por preferir a indiferença, a ausência ao invés das palavras que me envergonho por você, pela capacidade de ter formulado tal pensamento e mais: exposto. Em alto e bom tom, literalmente. A vontade é de fato, arrumar as malas e partir. Uma noite, duas, uma vida.
Destrancou a porta, logo a frente, o porta-retrato que comportava a fotografia de ambos.
Não hesitou, nem por um segundo, em sem antes tirar os sapatos, tirar dali aquela imagem.
Rasgou, levou até o lixo. Um banho, quatro remédios e chave do quarto rangendo ao trancar.
Não almoçou, não vai comer mais nada. Acabou aqui. Tudo acabou aqui.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Casulo

Eu esperava que as minhas ideias
se transformassem em palavras saindo da boca de terceiros
como borboletas ávidas por liberdade.
Eu ignorava, não julgava e até perdoava como quem quer fazer
as pazes com algum ser superior.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Da Bahia

E pelos bares, esquinas e durante o pôr-do-sol solitário eu andei pensando. E uma frase, daquelas que se grita pra ninguém ouvir, que se sussurra pra garantir o entendimento, ela mesma, teima em ficar por aqui, vagando entre os flocos de algodão, entre os tons de rosa alaranjado do céu.
Eu penso comigo mesma: Eu gosto tanto de tanta gente, mas tanto! E essa frase não me vem senão em sotaque baiano, daqueles arrastados, com tanta tranquilidade que mais parece um cafuné falado, um carinho tomando forma de palavras. Imagino eu, que seja esse o jeito dos que nascem ou residem em tal lugar. Uma pitada sossego, uma xícara e meia de paz. Mas não paro por aí, veja bem, a bendita frase vem acompanhada da seguinte: Mas pode isso, seu moço? Pode? E me bate um desconforto, porque eu queria esse seu moço mais perto. Pra desatar tantos nós que eu mesma dou no meu coração. Pois nó na cabeça, eu não deixo, ah! Isso eu não deixo não. Mas o coração eu nem ligo, fica assim meio de lado, um tanto esquecido. E eu sei que seu moço queria ver em mim mais coração. Mas estás tão longe e as respostas que tenho não me bastam. E que nunca bastem, pois é a busca que me leva adiante.