domingo, 28 de fevereiro de 2010

Essência de Hortênsia.

Hoje meu pai me entregou uma caneta, tenho quase certeza de ter ouvido um sussurro que se assemelha a uma súplica para que eu escrevesse, mas ao invés disso, os lábios ditaram uma frase sem qualquer valor. Algo como: "é de ponta fina, fica pra você". Mas o caderno pulou da bolsa e quando vi, a caneta já pousava sobre o mesmo.

"Escrever sobre o quê?" Questionou-se antes de um devaneio que por extrema insistência ou extrema mania, a levou pra perto do céu, mesclou imagens, transformando-as em nuvens, que rapidamente deslizaram por algo como um arco-íris. Mais um personagem, mais um enredo. Não seria algo romântico. Não, isso com certeza não seria. Eu apostaria em uma reinterpretação psicodélica nada original destes símbolos.
A verdade é que ela gostaria de dizer que lhe falta algo ou alguém. Mas isso seria simples demais, dada a pessoa determinada e decidida que eu sempre vi quando a olhava através daquele pátio frio. Bastaria a consciência de que era essa a situação para que imediatamente se levantasse e se prontificasse a resolver tal ausência. De fato, não falta. O que se perdeu ou talvez nunca existira era ela mesma.
Explica então pra onde se dirige alguém que não pertence a si próprio? Alguém cujo paradeiro é um mistério sem precedentes? Existia, ao acaso, uma sessão de achados e (mais) perdidos eus? Pois todas as facetas que ela apresentava - veja bem, não falo de poucas - não convencem apenas um ser neste planeta: ela mesma. Por mais diversas que sejam, nenhuma delas contém essência alguma de Hortênsia. Aliás, já ouviste falar de tal fragrância?

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Respiração

Os pensamentos não se contentam em vir aos poucos, são planos, cálculos do que pode dar errado, análises de tudo que você já vivenciou para então saber exatamente os movimentos certos, nas horas perfeitas. É, acima de tudo, uma tentativa de ler mentes. De adivinhar o que se passa na cabeça ao lado. Quais as interrogações que ela, por sua vez, abriga.
Assim que entramos naquele cômodo, já estava tudo combinado com ele, o terceiro. Sabia eu que mais hora menos hora ele estaria ali. Enquanto isso eu interpreto com a facilidade de quem fez anos de teatro. Essa é a minha interpretação de aproximadamente dois anos de teatro na escola. Que fique claro: na escola.
Eu não diria intuição feminina, eu sei bem da onde vem essa minha capacidade. Um misto de pura racionalidade com o que muitos considerariam uma falta dela. Que seja, a capacidade continua sendo minha.
Ali estava, parado diante de nós, o Silêncio. Chegou sorrateiramente, fruto de um grande esforço para que se apresentasse com outro nome. "Prazer, sou Espontâneo."
Ela sabe exatamente o que fazer, como fazer, quando fazer. Aproxima-se. Tá aí um dos momentos nos quais palavras, sejam elas de flor ou café, de nada valem. Respiração. Ela sim, diz muito.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

4mg

Um, dois, três (talvez mais): eram, de fato, disparos. Tão certeiros como os de Gravilo Princip, conhecido como o dono de uma indiscutível pontaria, conhecimentos adquiridos na Skola Atentadora, posteriormente trocada pela Mlada Bósnia, num ato de traição.
As palavras fluíam, como as balas de nove milímetros primeiramente utilizadas pela semi-automática alemã Bergmann-Bayard, conhecida militarmente por Mars.
Grande poder de penetração, grande pontaria, alvo: coração.
Desnecessário, descabido. Ainda assim, não tão surpreendente. Desde os meus sete anos você não é meu pai, você é o homem que vive na minha casa e paga as contas.
Mas acabo por preferir a indiferença, a ausência ao invés das palavras que me envergonho por você, pela capacidade de ter formulado tal pensamento e mais: exposto. Em alto e bom tom, literalmente. A vontade é de fato, arrumar as malas e partir. Uma noite, duas, uma vida.
Destrancou a porta, logo a frente, o porta-retrato que comportava a fotografia de ambos.
Não hesitou, nem por um segundo, em sem antes tirar os sapatos, tirar dali aquela imagem.
Rasgou, levou até o lixo. Um banho, quatro remédios e chave do quarto rangendo ao trancar.
Não almoçou, não vai comer mais nada. Acabou aqui. Tudo acabou aqui.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Casulo

Eu esperava que as minhas ideias
se transformassem em palavras saindo da boca de terceiros
como borboletas ávidas por liberdade.
Eu ignorava, não julgava e até perdoava como quem quer fazer
as pazes com algum ser superior.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Da Bahia

E pelos bares, esquinas e durante o pôr-do-sol solitário eu andei pensando. E uma frase, daquelas que se grita pra ninguém ouvir, que se sussurra pra garantir o entendimento, ela mesma, teima em ficar por aqui, vagando entre os flocos de algodão, entre os tons de rosa alaranjado do céu.
Eu penso comigo mesma: Eu gosto tanto de tanta gente, mas tanto! E essa frase não me vem senão em sotaque baiano, daqueles arrastados, com tanta tranquilidade que mais parece um cafuné falado, um carinho tomando forma de palavras. Imagino eu, que seja esse o jeito dos que nascem ou residem em tal lugar. Uma pitada sossego, uma xícara e meia de paz. Mas não paro por aí, veja bem, a bendita frase vem acompanhada da seguinte: Mas pode isso, seu moço? Pode? E me bate um desconforto, porque eu queria esse seu moço mais perto. Pra desatar tantos nós que eu mesma dou no meu coração. Pois nó na cabeça, eu não deixo, ah! Isso eu não deixo não. Mas o coração eu nem ligo, fica assim meio de lado, um tanto esquecido. E eu sei que seu moço queria ver em mim mais coração. Mas estás tão longe e as respostas que tenho não me bastam. E que nunca bastem, pois é a busca que me leva adiante.