sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Juarez

Juarez foi lá em casa e disse que estava indo.
“Mas indo aonde?” Eu perguntei.
“Não sei, Tati, só estou levantando vôo” ele respondeu.
Demorou dez minutos, fumou um cigarro e disse que ainda tinha algumas pessoas por ali pra se despedir. Mentira. Sempre que íamos comprar pão de mãos dadas ele comentava o quão se via perdido por ali, mas que era gostosa a sensação, de andar por minutos e não ser interceptado por nenhum conhecido.
Quando eu fui abrir a porta pra ele, torci pro meu andar denunciar, aos berros aquele “não vai” que ficou entalado na garganta. Quando cheguei à porta e me virei, foi pra checar se tinha dado certo esse lance do andar. Não deu, Juarez mantinha os olhos baixos.
Já com a porta aberta, eu nem sabia o que fazer. Tudo em mim suplicava, mas não questionava. Só ele não percebia. Mas meu cabelo dizia, minha pele dizia, meus ombros, a minha blusa, a minha barriga e até a posição dos meus joelhos. Mas os olhos não. Eu também os mantive baixos. Os olhos seriam demais.

domingo, 25 de setembro de 2011

As minhas verdades

Cuida dessa ferida. O tempo dá conta de fechá-la. Mas a boa-vontade ajuda.
Não foi o coração quem sofreu o ataque, foi o orgulho. E francamente, não sei qual ataque lhe dói mais, lhe consome mais. Mas eu sei que perdes um pedaço da alma a cada vez que acontecem tais injustiças.
E ainda assim, tu buscas a fé pra explicar ações tão cabíveis a humanos: inveja alheia, soberba tua. Onde estariam então os Deuses quando os fatos acontecem? Onde estariam eles senão longe? É conhecida a tua fé nos céus, é conhecido os teus poderes, as tuas visões que devem ser desenvolvidas para um propósito maior. Mas há nisso tudo algum nó, alguma pedra que teima em entrar nos caminhos daqueles que buscam clareza. E talvez isso mude o cenário por completo e deixe pousar na tua visão um pouco de escuridão. É somente estar na presença dos demais, deixar-se influenciar. E a maldade alheia vira a tua, por pura defesa.
Não culpo, afinal, é como dissestes noutro momento: senão tu mesma, quem para te cuidar?
Jamais delegarias essa função a terceiros, estou certa. És tão segura que conhecimento me falta para avaliar da onde vem esse teu lado tão rígido. Essa tua vontade grande de ser tua. E ao mesmo tempo questiono-me se, por ironia, não provém desses fatos, dos ataques que andam a investir contra ti.
Também pudera. Confiança é algo delicado, quase indescritível. E ainda assim, sempre um mistério. Pois a realidade que nos cerca demonstra-se incessantemente mutável, novamente os instintos humanos se fazem presentes para colocar em dúvida os sentimentos.
Mas, além de todas as observações dúbias, ofereço-lhe um conselho: cuida dessa tua ferida. O tempo pode até dar conta de fechá-la. Mas a boa-vontade certamente ajuda.

domingo, 18 de setembro de 2011

Vinho&Vinícius

O sol ainda não tinha se posto quando eu já me encontrava debruçada sobre a pia tomando a goles pequenos o meu café. Normalmente era assim, mania copiada do meu pai: tomar café em pé, alguns consideram desconfortável, eu me deleito. Meu paladar sentiu falta de algo doce, então logo abaixei a procura daqueles biscoitinhos da padaria do Tio Aurélio.
Nessa de procurar me deparo com um pacote de macarrão aberto na minha dispensa com dois dentes de alho dentro. Não agüentei, um risinho saiu. Lembrei de você debochando dos meus dotes culinários falando que trouxe alho para cozinhar o jantar porque sabia que na minha casa não teria nada dessas coisas de quem sabe fazer comida. E era verdade, aqui só tinha tempero pronto.
Daí lembrei desse dia, você mexendo na minha cozinha como se fosse sua, pedindo o que não achava, mas só depois de já ter aberto todas as gavetas e portas procurando. Eu, sentada na cama te observando. Achando graça de você, tão desinibido cozinhando pra mim. Aprovadíssimo! Incrível como só me relaciono com homens que cozinham bem, parece que eles adivinham minha falta de habilidade na cozinha e correm pra mim.
Vinho, Vinícius, conversas. Vinho, Vinícius e você me dizendo que ia sincronizar a tua respiração com a minha pra ver se eu me acalmava e conseguia dormir. Vinho, Vinícius e você me acordando às 6h pra termos tempo de ficarmos juntos um pouco mais.
Mas quando eu me proponho a levantar e fazer o café – especialidade minha, modéstia a parte – você decide que é hora de ir. Diz que nunca espera o café. Que chega a qualquer hora, na hora do almoço, de tarde, na hora do jantar ou de madrugada. Mas que jamais fica pro café. Que essa é uma hora perigosíssima e que nunca se deixa pousar na cama até depois dessa dela. Se despede e sai porta afora. Eu, que nem tive a chance de me levantar, dei de costas, fingi que não ligava e desisti do café mesmo sendo sagrado pra mim.

Delírios de uma madrugada

Sempre que possível, desconfie.
Ora, a vida não é tão bela quanto dizem as suas quotes inspiradoras. A vida não é Clarice Lispector, minha gente! Muitas das vezes não tem essa complexidade bonita, que chega a emocionar. A vida não é Tati Bernardi, não tem tantos momentos intensos assim e nem é tão preto no branco. A vida definitivamente não é Martha Medeiros e nossa, nem de longe Gabito Nunes.
Perdoem-me todos. Aliás, que não me perdoem, pois digo a verdade.
É assim mesmo, sempre que puder, desconfie. E suma também. Deixe de lado algumas pessoas que só existem em sua vida porque você as faz existir. Que esforço é esse unilateral?
E deixe que pessoas que só se fazem presentes na sua vida por esforço delas próprias também se desvencilhem, por mais difícil que isso seja, já que antes, não dava trabalho algum mantê-las na sua vida e com certeza, lhe trazia alguns benefícios. Tenha certeza: se esse esforço não é recíproco, não deveria existir de nenhuma das partes. Se liberte e liberte os demais, vale a pena.
Não recomendo que seja sempre, mas pessimismo também faz bem. Quero conhecer um otimista que não seja super frustrado ou um pessimista que nunca tenha se surpreendido. Porque é isso que o pessimisto nos traz: surpresas. Se o pior já é esperado, coisas boas ganham valores muito maiores do que se você já as esperasse.
Não seja fiel sempre, não seja tão rígido, não seja totalmente pessimista, nem totalmente otimista, saiba confiar, mas saiba principalmente, desconfiar.
Depois de uns tapas, viver é isso: uma eterna conciliação de opostos.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sacada

Lembro da noite em que eu voltei a escrever.
Foi naquela sacada sentada à mesa com o notebook a frente e uma página em branco. Eu queria muito falar, só não sabia o quê, nem como ou pra quem.
Acho que na verdade eu precisava falar pra mim mesma.
A sacada não era novidade, vivia ali. Era o que me tirava daquele cantinho da loucura, era a única parte externa daquele apartamento, cenário da época em que eu me perdi mais. Hoje, olhando pra trás, não consigo imaginar como eu vivia entre aquelas paredes, como o vermelho de fundo da sala não me fazia pular da sacada logo ao lado. É verdadeiramente apavorante lembrar de todo aquele conjunto de coisas que te levaram a insensatez.
Insensata, acho que é essa a palavra. Bonita até, bonita demais pro que foi.
Eu não escrevia desde aquele prêmio que ganhei da Prefeitura da Cidade. Lembro como se fosse ontem, a gente saindo de casa, arrumadinhos pro evento. Eu, num vestidinho verde e de franjinha, com aquele misto de nervosismo e orgulho porque ia ler lá na frente de todos. Com direito a subir ao palco e tudo mais. Papai, mamãe e namorado no carro. O irmão, pra variar, não foi. Namorado, o primeiro... e eu era tão menina! Depois sumiu, dói até hoje, dói sim.
E naquela sacada as palavras saíram de mim, mais arrancadas do que qualquer outra coisa. Era pra ser aquilo, não era eu a dona da situação.
E a menina que eu ainda não conhecia mas que, curiosamente também estava no dia em que eu li meu último texto foi a que mais me encorajou a continuar.
E eu louca, louquinha, doida de pedra, continuei. Era isso que me fazia escrever. Mostrar pra Helen, mostrar pra Flor, criar a Flor que antes era Hortencia. Eu queria esquecer a Hortencia, deixar ela no passado, criar nova identidade, quem sabe tirar até passaporte. Mas antes de tudo, sumir por aqui mesmo, pra Bahia. Lembra?
E pra tornar tudo mais engraçado ainda, o apartamento da Loucura ficava do lado da antiga casa dele, mesmo quarteirão. Ainda dói.

domingo, 28 de agosto de 2011

E o meu dedo podre escolhe... você!

A gente tem a vida inteira pra trabalhar. A vida inteira.
Por que você, no auge dos seus 21 aninhos escolhe isso não somente como prioridade mas como elemento único de uma vida inteira?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Mais que arroz e feijão

Dá um pouco de dó e um pouco de alegria ver aquele senhor vestido naquelas roupas já cansadas, abatidas pelo tempo, sentar-se a mesa de um restaurante freqüentado por poucos e não perder o hábito de repousar seu chapéu na cadeira que faz par com a sua.
Come com destreza, não nota as pessoas ao lado que parecem se incomodar com a sua presença. Talvez não fosse incômodo de fato, mas um misto de dó e alegria. Mas ele nem nota e continua nas suas garfadas ávidas por mais que o próprio arroz e feijão.
De qualquer forma, é vida. É vida e é bonita, não porque diz a música, não porque é bonito dizer. Mas quem viu, sabe. É linda, meu Deus. E meu almoço se resumiu a isso: segurar aquele sentimento com toda a minha força e observar o velho que se encontrava ao meu lado.